Napalm Death, ícone do grindcore surgido em Birmingham nos anos 1980, entregou mais uma apresentação intensa em Curitiba nesta última sexta 25/10, reforçando novamente seu legado no metal extremo. Com uma abordagem que combina velocidade e intensidade, a banda trouxe clássicos de álbuns marcantes como Scum e From Enslavement to Obliteration.
Com um jeitinho de festival, a abertura do dia ficou a cargo de Krisiun e Ratos de Porão. Além disso, o evento também teve a abertura dos paulistas Manger Cadavre? e dos curitibanos Ethel Hunter.
Já começando cedo, a casa abriu às 17hrs e um pouco antes das 18hrs a banda local Ethel Hunter deu início à noite com seu death metal clássico, apresentando faixas do EP Chasm of the Soul, reafirmando sua presença na cena com uma década de estrada. Em seguida, os paulistas do Manger Cadavre? subiram ao palco, trazendo uma poderosa combinação de metal, hardcore e crust, com uma performance intensa que preparou o público para as atrações principais.
Casa lotada e muito mosh
Após a calorosa abertura de Ethel e Manger, a casa começou a lotar ainda mais, trazendo um dos grandes problemas da noite: o calor. Apesar do CWB Hall ser uma ampla casa de shows, um dos grandes pontos negativos está no seu sistema de climatização, que por muitas vezes deixa a desejar. Porém, nessa noite quente de sexta isso se agravou ainda mais, principalmente por conta da quantidade de headbangers no local que lotaram a casa e também dos incessáveis moshpits que começaram ainda nas bandas de abertura.
Subindo ao palco um pouco atrasado e com alguns problemas técnicos e com algumas reclamações do próprio João Gordo, Ratos de Porão entregou um show devastador como sempre, e por incrível que pareça, apesar de não ser a atração principal da noite, foi o show mais cheio também com o maior número de moshpits e energia do público.
Público tão energético que não deixou se levar com os problemas técnicos do show da banda e sempre que acontecia alguma situação no palco gritava “Ratos, Ratos, Ratos” amenizando os problemas e deixando até mesmo os músicos mais confortáveis. Com mais de 40 anos de trajetória, Ratos é até hoje um dos maiores nomes do punk/hardcore e metal brasileiro, com uma influência que se estende a bandas de várias partes do mundo. Seu álbum mais recente, Necropolítica, é um testemunho da energia e relevância intocável da banda.
Para tornar a experiência ainda mais completa, a nossa redatora Amanda Misturini teve a oportunidade de conversar com Jão, guitarrista do Ratos de Porão, que compartilhou um pouco de sua visão sobre o cenário atual da música e as influências que moldam o som e a postura da banda. Confira a seguir alguns trechos dessa conversa:
Amanda Misturini: Com a explosão de bandas que misturam gêneros completamente diferentes do Metal, como por exemplo o polêmico Baby Metal que é odiado por uma grande parcela do público mais tradicional do metal, vocês acham que algum dia esse tipo de coisa será mais aceita?Jão: Cara, eu penso assim […] Tem uma boa parte do Heavy Metal que é um pouco mais radical e é difícil aceitar, né? Mas, por outro lado, tem uma pegada comercial que gente que não curte Heavy Metal vai no show do Baby Metal, né? Por exemplo. […] pessoas que não curtem Heavy Metal talvez não venham no show do Ratos, né? Importante assim, né, meu? Eu acho o metal meio fechado nele mesmo, apesar de vários estilos que tem dentro do Heavy Metal… dentro desses estilos, às vezes muitos não se aceitam ali… eu acho que no final a gente tem que acabar se aceitando, né, meu? Nós que somos esquisitos e fogem um pouco da família, da sociedade ali dentro do normal, eu acho que com o tempo a tendência é sempre ter uma aceitação maior. Eu acho que na minha época o bagulho era mais radical, hoje é menos, né?
Amanda: Considerando o cenário atual onde as letras políticas do Ratos ainda se mantêm muito atuais, há algum assunto que vocês consideram essencial para abordar nas próximas músicas, um assunto que ainda não abordaram, de repente?
Jão: Cara, meu, eu acho que assunto que não abordou é difícil, né, meu? Porque o país também, em vez de progredir, é um país retrógrado, né, meu? Fica ali o bagulho de evangélico, né? Então, assim, a tendência é piorar, né? Dentro do Heavy Metal mesmo tem uma par de fascistinha escondido pra ***, que descobriu que o Ratos de Porão fala de política hoje, sabe?
Metal Extremo e Muito Calor
Após a destruição do show do Ratos e também alguns minutos para o público conseguir tomar um ar devido ao extremo calor da noite, chegou a hora dos nossos grandes “guris” do Krisiun destruir o CWB Hall com seu death metal.
Com menos problemas técnicos e um som relativamente melhor, Krisiun subiu ao palco e mostrou o por que é uma referência no death metal sul-americano desde os anos 90. Com sua técnica e velocidade inconfundíveis em uma apresentação que exaltou o melhor do metal extremo. Formada em 1990 pelos irmãos Alex, Max e Moyses Kolesne, a banda brasileira emergiu como um dos maiores representantes do death metal sul-americano.
Krisiun rapidamente ganhou destaque pelo som brutal, técnico e extremamente veloz, caracterizado por riffs intensos e precisão instrumental, onde em Curitiba não foi diferente. Apesar de um setlist mais minimalista devido ao pouco tempo de palco por conta da quantidade de bandas da noite, os irmãos entregaram mais um show explosivo e energético, com um enorme apoio do público. Um fato interessante da noite, é que a maioria das pessoas que vi presente, estava usando uma camisa do Krisiun (inclusive nossa redação), provando a importância da banda no metal Brasileiro e mundial.
Nossa redação teve a oportunidade de entrevistar um dos integrantes do Krisiun, que compartilhou suas impressões sobre o show, o legado da banda e os desafios de manter a essência do death metal ao longo dos anos. Acompanhe abaixo os principais momentos da conversa:
Amanda Misturini: Max, o que vocês acham da nova geração do death metal, sendo mais preciso das bandas dos últimos 10 anos? Existe alguma banda ou movimento que tem chamado sua atenção ultimamente?
Max: Ah, é uma pergunta bem complexa.
Eu percebo, assim, é que… Não sei como te explicar, mas, assim… eu sou muito old school. E às vezes eu acho que, assim, tem bandas que são muito boas musicalmente falando, assim, muito técnicas, muito precisas. Mas eu falo como fã, assim, então eu sinto pouca falta do feeling, daquela coisa mais… mais crua, mais old school mesmo, né? Mais raízes. Mas com certeza, tem muita banda boa. É uma questão, assim, de tempo.
Você começa, às vezes, seguindo uma tendência e quem fica com o tempo vai se reinventando e buscando as raízes e buscando fazer algo mais autêntico, mais true, mais… Mais real, digamos assim, né? Porque, realmente, assim, tem uma onda de… E tá difícil, realmente, assim, uma banda hoje em dia… Uma banda melhor, principalmente aqui no Brasil, uma banda… Seguindo esse segmento mais old school, mais true, mais orgânico, mais… É um caminho difícil. Se você fizer uma coisa um pouco mais… Mais moderna, mais variada, que vem do death metal, aí tem um pouco de… Sei lá, uma coisa um pouco mais… Mais comercial. Aquela variação toda, aí uma parte muito técnica, uma parte muito lenta, muito… Aí uma parte brutal, essa mistura toda. Eu não gosto disso. Eu gosto da coisa pura, verdadeira. Pode me chamar de velho, rabugento, que eu sou old school, mas aí eu sou mesmo. Eu tô falando como fã mesmo, tá entendendo? Então, assim, eu acredito nas bandas que têm essas raízes no metal, no death metal.
Amanda: Entendi. Death Metal mudou muito dos anos 90 até os dias de hoje, principalmente com o surgimento de novos gêneros do metal. Vocês já pensaram em explorar estilos ou conceitos ainda mais diferentes no metal extremo em futuros trabalhos, mas mantendo a essência e o peso do Krisiun?
Max: Ah, é difícil. A gente sempre busca fazer alguma coisa um pouco diferente, mas no fundo a gente sempre acaba pegando influências antigas, coisas que nos influenciaram lá atrás. A gente deu uma mudada, por exemplo, no Forged in Fury. Quem conhece esse disco sabe que é o disco mais diferenciado do Krisiun, que ele busca umas influências mais antigas, tem até influência de Black Sabbath, Judas, e eu mudei muito, assim, os andamentos da bateria são mais variados, as músicas são mais variadas. Aí os fãs ficaram sentindo um pouco falta daquele Krisiun, o true Krisiun, né? Aí a gente meio que se influenciou nos discos antigos do Krisiun, no Black Force Domain, no Conquerors of Armageddon, pra gravar o último disco, né? O Mortem Solis, ele tem essa pegada.
É diferente, obviamente, tem mais variações e tal, nunca vai ser igual, afinal são 25 anos que separam esses trabalhos aí, mas a gente acaba buscando essa influência antiga, porque naquela época tinha uma espontaneidade maior, uma energia maior, uma coisa tipo um f**da-se maior, né? Porque hoje em dia, às vezes, você começa a ficar muito profissional, muito técnico e começa a usar muito a mente. E o trabalho fica muito quadrado, muito certinho, muito limpo. E às vezes a banda… Eu, falando como fã, vejo as bandas errarem nesse ponto de buscar essa perfeição que acaba matando a vibe e o sentimento da música.
Então a gente acaba buscando a influência antiga e fala, “vamos buscar aquela essência que nos fez criar o nosso estilo e começar a fazer o Krisiun”. Tanto que, ano que vem, a gente vai fazer alguns festivais e uma turnê tocando os trabalhos antigos, que é uma coisa que os promotores estão pedindo, né? “Vamos fazer um festival do Krisiun tocando só o Conquerors“, “vamos fazer uma turnê tocando o Conquerors, o Black Force também, o Apocalyptic“, que é uma coisa que realmente marcou a carreira da banda e tem que ser valorizada e também vai dar um pouco mais de tempo pra gente realmente se inspirar pra gravar o próximo disco.
Os mestres britânicos do Grind Core
Napalm Death, formado em Birmingham, Inglaterra, em 1981, é conhecido como um dos fundadores do grindcore, um subgênero que combina a intensidade do punk com a brutalidade do death metal. A banda ganhou bastante destaque pela sua velocidade, vocais guturais e letras críticas e com temáticas políticas. Scum (1987) e From Enslavement to Obliteration (1988) foram os álbuns que definiram o estilo do grindcore e criaram o caminho para o sucesso da banda. Napalm Death passou por mudanças ao longo dos anos, mas o vocalista Mark “Barney” Greenway, o baixista Shane Embury e o baterista Danny Herrera continuam como membros de longa data.
As letras de Napalm Death refletem uma crítica feroz ao sistema político e social. Com temas que abordam desde desigualdade, opressão e autoritarismo até questões sobre direitos humanos e luta pela justiça, a banda usa sua música para questionar estruturas de poder e despertar a consciência social dos ouvintes.
O show extremamente caloroso em Curitiba não pode ser diferente, já no início do show, Shane pediu desculpas por alguns problemas técnicos que enfrentaram ao montar o palco e nas primeiras músicas e aproveitou também para se desculpar por não falar Português Brasileiro, mas perguntou ao público se poderia falar em Inglês e Castelhano, onde com aprovação do público, conseguiu uma conexão ainda mais forte.
Com diversas mensagens de positividade nas pausas entre as músicas, Napalm deixou claro que apesar do seu som extremo, devemos cuidar de nossos amigos e familiares e jamais aceitar que outras pessoas ou autoridades tirem nossos direitos.
Desde suas primeiras turnês no país, a banda encontrou um público devoto no cenário do metal extremo. Shows históricos em São Paulo e Curitiba ajudaram a fortalecer a base de fãs brasileiros, e Napalm Death retornou ao país diversas vezes, incluindo apresentações memoráveis em festivais e casas de shows lotadas. Mesmo com o calor extremo dentro da casa onde até mesmo algumas pessoas passaram mal, o público se manteve fiel até o final do show, que contou com clássicos como You Suffer, Scum, Success? e a amada Nazi Punks Fuck Off, cover de Dead Kennedys que se tornou um clássico da banda.
Com uma trajetória sólida e uma conexão única com os fãs brasileiros, Napalm Death reafirma sua posição como lenda do grindcore, combinando agressividade sonora com mensagens de consciência social.
Créditos de imagem para: Clovis Roman (@clovis_roman)