Depois de seis anos de espera, o público curitibano voltou a receber um dos nomes mais emblemáticos do black metal: o Cradle of Filth. A banda inglesa desembarcou na capital paranaense no dia 22 de agosto, para um show no Tork N’ Roll, casa já conhecida por sediar grandes eventos da cena. O que se viu foi uma noite marcante, com direito a pontualidade britânica, qualidade sonora impecável e duas apresentações intensas: a abertura da norte-americana UADA e, logo depois, o espetáculo grandioso do Cradle of Filth.
Por volta das 19:30, os norte-americanos do UADA (fundada em 2014, em Portland, Oregon) deram início à noite. O quarteto, liderado pelo vocalista e guitarrista Jake Superchi, tem se destacado no cenário do black metal moderno pela forma como mistura a agressividade típica do estilo com atmosferas melódicas.
No palco do Tork N’ Roll, a banda apostou em um visual enigmático: todos de capuzes negros, sem revelar os rostos, reforçando a aura sombria que acompanha suas músicas. O palco estava quase totalmente às escuras, iluminado apenas por alguns canhões de luz branca posicionados de baixo para cima, criando sombras distorcidas e um ambiente misterioso.
O setlist trouxe músicas que marcam a curta, mas sólida, discografia da banda. Canções como “Djinn” (do álbum Djinn, 2020) e “Cult of a Dying Sun” (do disco homônimo de 2018) mostraram a força criativa do grupo. Já “Natus Eclipsim”, do debut Devoid ofLight (2016), abriu a apresentação com intensidade, enquanto “Black Autumn, White Spring” encerrou o show deixando uma forte impressão no público.
Setlist UADA:
Mesmo sendo a banda de abertura, o UADA conseguiu algo raro: manter a plateia em silêncio durante as músicas, em uma mistura de respeito e imersão. Entre uma faixa e outra, o público reagia com aplausos e gritos, reconhecendo a qualidade de um grupo que, em apenas uma década de estrada, já é apontado como um dos nomes promissores do black metal mundial.
Pontualmente às 21 horas, o Cradle of Filth, formado em 1991 em Suffolk, Inglaterra, fez sua entrada triunfal. Com mais de trinta anos de carreira, a banda liderada pelo icônico vocalista Dani Filth é hoje uma referência absoluta do black metal, com seu estilo único que mistura elementos sinfônicos, góticos e literários.
Ao longo dos anos, o Cradle of Filth construiu uma identidade própria, marcada por letras inspiradas em literatura sombria, ocultismo e mitologia, além de arranjos que equilibram brutalidade e melodia. A formação atual conta, além de Dani, com Marek “Ashok” Šmerda (guitarra), Donny Burbage (guitarra), Daniel Firth (baixo), Martin ‘Marthus’ Škaroupka (bateria) e Zoë Federoff (teclados e vocais femininos), todos fundamentais para manter a grandiosidade das composições ao vivo.
O Cradle of Filth abriu o set com “To Live Deliciously”, faixa presente no novo álbum lançado em 2024, deixando claro que o show traria novidades junto com clássicos. Na sequência veio “The Forest Whispers My Name”, resgatando o debut The Principle ofEvil Made Flesh (1994) e arrancando gritos nostálgicos do público.
Faixas mais recentes, como “She Is a Fire” (single de 2023), se alternaram com verdadeiros hinos da banda, como “Heartbreak and Seance” (do álbum Cryptoriana, 2017) e “Born in a Burial Gown” (Bitter Suites to Succubi, 2001).
O ponto alto da noite foi a esperadíssima “Nymphetamine (Fix)”, do álbum Nymphetamine (2004), vencedora de um Grammy e uma das músicas mais populares da banda. O Tork N’ Roll se transformou em um grande coral, com a plateia cantando em uníssono cada verso. Dani, com seu vocal agudo e teatral, conduziu o público em um dos momentos mais emblemáticos da noite.
Setlist Cradle of Filth:
Além de “Nymphetamine”, outros destaques foram “Her Ghost in the Fog”, clássico do álbum Midian (2000), e “Cruelty Brought Thee Orchids”, de Cruelty and theBeast (1998), ambos recebidos com entusiasmo pela plateia.
O som impecável merece destaque: cada instrumento foi ouvido com clareza, desde a bateria veloz de Marthus até os vocais extremos de Dani Filth, que alternavam entre agudos rasgados e guturais graves. O equilíbrio técnico garantiu que tanto os momentos mais pesados quanto as passagens melódicas soassem com perfeição.
O show em Curitiba deixou clara a relevância de ambas as bandas na cena. O UADA, com apenas quatro álbuns, já é um dos nomes mais comentados do black metal norte-americano, trazendo frescor a um gênero marcado pela tradição europeia. Sua postura discreta e som atmosférico conquistaram fãs que, até então, talvez não os conhecessem.
O Cradle of Filth, por sua vez, reafirmou seu papel como pioneiro do black metal britânico, capaz de se reinventar sem perder a essência. Três décadas depois de sua fundação, a banda segue lançando discos relevantes e atraindo novas gerações, além de manter viva a conexão com fãs antigos.
Após quase duas horas de espetáculo, ficou evidente que a espera de seis anos valeu a pena. Entre gritos, moshes e aplausos, o público curitibano mostrou sua devoção a Dani Filth e companhia.
O saldo final foi de uma noite memorável: pontualidade, qualidade sonora, duas bandas em plena forma e uma atmosfera que só o black metal é capaz de criar.
O Cradle of Filth não apenas retornou a Curitiba — eles reafirmaram, com intensidade, porque continuam sendo uma das bandas mais respeitadas e influentes do gênero. E, de quebra, apresentaram ao público brasileiro o poder da UADA, uma banda que, sem dúvidas, ainda dará muito o que falar.
Fotos por Willian Germano.