Nos últimos tempos, mais precisamente de 16 anos para cá, muito se tem falado sobre turismo espacial. A possibilidade de viajar para além deste mundo, observar nosso planeta de longe, flutuar em microgravidade e se sentir quase como um verdadeiro astronauta já é uma realidade.
Embora a questão financeira seja um empecilho para a maioria dos meros mortais, o fato de pessoas comuns, sem capacitação profissional nem propósito científico, poderem contemplar o azul da Terra (e constatarem que, sim, ela é redonda – ou quase isso), é de extrema relevância para a nossa evolução em geral.
O que é turismo espacial?
Até bem pouco tempo atrás, a exploração espacial era restrita a organizações governamentais, tais como a agência espacial norte-americana (cujo nome formal é Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, em tradução livre), mais conhecida como Nasa, a Roscosmos (da Rússia) e a Agência Espacial Europeia (ESA), por exemplo.
Companhias privadas, como a Boeing, Northrop-Grumann e Lockeed Martin, também atuavam neste ramo como apoio a missões técnicas e científicas dessas agências, mas sem capacidade própria de lançamento.
No entanto, o turismo no espaço passou a figurar como desejo de bilionários, o que gerou uma oportunidade de negócios e levou ao surgimento de empresas como a Virgin Galactic e a Blue Origin.
Isso motivou uma disputa acirrada, principalmente entre as duas mencionadas, além da SpaceX (que não nasceu com esse propósito, mas entrou na “briga”), para serem os grandes destaques no ramo de viagem espacial a turismo. Mas, afinal de contas, o que exatamente é o turismo espacial?
Basicamente, é a possibilidade de cidadãos comuns de qualquer lugar do planeta Terra embarcarem em uma cápsula acoplada a um foguete e serem disparados para além da nossa atmosfera (geralmente, o lançamento é assim).
Seja para passar apenas alguns minutos ou dias, seja para conhecer a Estação Espacial Internacional (ISS) ou, eventualmente, até pisar em solo lunar, o fato é que a Era do turismo no espaço parece ter chegado de vez.
No ano de 2021, as três principais empresas privadas do mercado aeroespacial fizeram viagens com civis entre seus tripulantes, e nada menos do que 18 pessoas foram “passear” no espaço.
Para os padrões da Nasa, da Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA) e das Forças Armadas do país, o início do espaço sideral começa em 80 km acima da superfície.
A linha de 80 km também tem outros apoiadores, incluindo Jonathan McDowell, um astrofísico e rastreador de satélites baseado no Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, que defendeu sua adoção em um artigo de 2018.
No entanto, existe uma fronteira diferente estabelecida em convenção internacional, que é o marco aceito pela Federação Aeronáutica Internacional (FAI).
Essa fronteira, chamada Linha de Kármán, fica a 100 km de altitude e foi definida pelo físico húngaro-americano Theodore von Kármán, usando como parâmetro a região onde as forças da dinâmica orbital excedem as da aerodinâmica.
De qualquer forma, a definição de espaço sideral não é apenas um debate filosófico. Isso tem implicações financeiras no mundo real, tendo em vista que algumas empresas de turismo espacial podem vender assentos em voos que tecnicamente não atingem o espaço, dependendo de onde realmente esteja esse limite.
Assim, alguns privilegiados que tiverem como pagar por um assento desses podem “comprar gato por lebre” e vir a contar para seus filhos, netos e bisnetos no futuro sobre um passeio que, tecnicamente, não fizeram (mesmo pagando uma pequena fortuna por isso).
Estando isso claro, vamos descobrir agora como funciona o turismo espacial, quando ele começou, e, se esse for um sonho para você, quanto precisaria desembolsar para realizá-lo.
Turismo espacial: como funciona?
Para fazer uma viagem espacial a turismo, os procedimentos dependem de cada empresa. A Blue Origin, por exemplo, tem uma lista de espera. Para o primeiro voo espacial tripulado da empresa, que aconteceu em 20 de julho de 2021, e teve seu proprietário e CEO Jeff Bezos a bordo, apenas um assento foi comercializado, por meio de um leilão.
Curiosamente, o vencedor, que arrematou a vaga por US$ 28 milhões, não embarcou, devido a um conflito de agendas. Assim, o estudante Oliver Daemen garantiu seu ingresso, adquirido por seu pai, Joes Daemen, um alto executivo holandês.
Os demais assentos foram ocupados por Bezos e dois convidados: seu irmão Mark e a octogenária Wally Funk, uma aviadora da década de 1960, que participou do grupo “Mercury 13”, e acabou se tornando, por pouco tempo, a pessoa mais velha a voar ao espaço.
Bezos revelou que o leilão por meio do qual Daemen obteve sua passagem angariou mais de US$100 milhões (cerca de R$550 milhões), e que mais de 7,6 mil interessados, de 159 países diferentes, se inscreveram para participar.
O valor arrecadado foi integralmente revertido para a ONG Club for the Future, mantida pela Blue Origin, que tem como objetivo inspirar as futuras gerações a perseguir carreiras em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e “ajudar a inventar o futuro da vida no espaço”.
Já a Virgin Galactic, que foi a primeira empresa privada da história a levar turistas a um voo suborbital, – e aí cabe a discussão se eles podem ou não ser considerados turistas espaciais, já que não ultrapassaram a Linha de Kármán – oferece três opções de passeio.
Segundo a empresa, o consumidor pode escolher entre comprar um assento único, adquirir um pacote com vários assentos ou o fretamento de um voo completo para até seis pessoas.
Outra que também trabalha com voos de turismo espacial é a SpaceX. A empresa de Elon Musk realizou neste ano o primeiro voo totalmente civil da história: a missão Inspiration4, financiada e comandada pelo bilionário Jared Isaacman.
Além de Isaacman, os demais três tripulantes também eram turistas espaciais. Eles receberam as asas de astronauta da SpaceX, um broche simbólico, mas não são oficialmente reconhecidos como astronautas. Esta designação só é concedida pela Nasa, e existem exigências para isso.
Basta ter dinheiro sobrando, comprar seu ingresso e aproveitar a aventura? Não. Existem pré-requisitos para isso, que também variam de empresa para empresa.
Para voar pela Blue Origin, por exemplo, a idade mínima é 18 anos. O interessado deve ter mais de 1,50 m e menos de 1,92 m. Também há limites mínimo e máximo quanto ao peso: de 50 kg a 101 kg.
Além dessas exigências, há uma série de outras, merecendo destaque as quatro a seguir:
- Capacidade de escalar a torre de lançamento da nave New Shepard (o equivalente a sete lances de escadas) em 90 segundos e de andar em superfícies ligeiramente desniveladas;
- Prender-se e soltar-se do cinto de segurança no tempo máximo de 15 segundos;
- Ser capaz de suportar uma força de até três vezes a aceleração da gravidade (3 Gs), por cerca de dois minutos (sendo essa uma das sensações na decolagem – durante o voo, essa força pode chegar a quase 6 vezes durante alguns segundos);
- Escutar e compreender instruções em inglês de membros da tripulação ou de comunicadores de rádio, em um ambiente em que o volume do som pode chegar a 100 dB.
Quanto aos treinamentos, eles duram em torno de 14 horas, num único dia. Neles, os potenciais tripulantes fazem ensaios de missões, recebem instruções de segurança, realizam atividades análogas, além de procedimentos operacionais em geral.
Nessas preparações para o voo, eles também recebem orientações sobre a microgravidade.
A Virgin Galactic é menos exigente quanto aos pré-requisitos. Basta estar em boa forma física e partir para a etapa de treinamentos, que acontecem durante três dias no Spaceport America (Espaçoporto América), localizado no Novo México, EUA.
Esses treinamentos envolvem ensaios de microgravidade, recomendações de segurança (especialmente para os momentos de alta aceleração) e instruções sobre os equipamentos de proteção individual (EPI) a serem utilizados no voo.
Além disso, os futuros tripulantes contam com uma equipe médica especializada, que os acompanha até o momento da decolagem, garantindo sua integridade física e mental durante todo o processo.
Já a SpaceX ainda não formalizou suas diretrizes de lançamento de turistas ao espaço, apenas garantiu que oferecerá os passeios a preços melhores do que as concorrentes (falaremos disso mais adiante).
Entretanto, sabe-se que os passageiros da Inspiration4 passaram pelo mesmo treinamento que os astronautas da Nasa recebem antes de voar em uma Crew Dragon, incluindo testes físicos (como a temida centrífuga), aulas de mecânica orbital e treinamento básico sobre o funcionamento e operação da cápsula.